"Teu amor pelas cousas sonhadas era teu desprezo pelas cousas vividas."

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Guardar-te-ei tão em mim.



Ela era rainha destronada...
Vivia no jardim dum palácio sempre à hora do poente.
(Assim eu a via, se fechava os olhos e estava triste).
O seu desterro estava cheio de sonhos e de flores.
Mas o próprio jardim era antiquíssimo, amarelado,
Pálido como []
Era ali que a rainha passava os seus poentes sem dia.
E tudo isto num reino que nunca houve.
Não... Era mais longe do que isso...

Estou defronte do espelho e não consigo
Compenetrar-me da minha realidade definitiva.
Olho-me, e o estrangeiro que está diante de mim
Chegou dum país do outro lado do espelho,
E quando anda em direcção a mim não anda no espaço...
Fecho os olhos, fito o espelho... O estrangeiro desapareceu...

A tua voz reflecte na minha idéia de espelhos
Alcovas ao crepúsculo...
Falas de não sei que tristezas... A tua voz é plana
Vertical à minha espiritualidade que te não ouve...
E a mão com que se aparta o reposteiro não pertence
À imperfeição das mãos que apertam as nossas no mundo...

Sombras das árvores...
Perfume das flores...
Riso frio dos rios...
Fecho os olhos e a vida
Cai do meu pensamento
Como uma cousa pesada na água
Que chega e se afunda...

Estendo a mão na noite.
Não encontro o que procuro.
Mas eu não procurava nada.
Estendi a mão para ver se estendendo-a ao acaso,
Alguma cousa de Deus vinha ter com o meu gesto,
Com o meu gesto triste que implora auxílio na noite...
Mas Deus está dentro do meu gesto como numa caixa de []
E não me pode tocar e confortar-me a alma.

É alta a noite e há na rua passos de duas pessoas
Que passeiam juntas.
O som dos passos é o de quem volta para casa.
Oiço falar as duas pessoas. São dois homens.
Oiço-os contar toda a tristeza da vida. Ah que angústia!
Mas os homens que passam na rua não trocaram palavra.
Não ouvi mais que os seus passos, e as suas vozes era isso.

A tristeza dos passos na noite, nas ruas desertas.
É uma outra cidade, numa outra época, hoje...

Imagem: Morte 404.

domingo, 8 de julho de 2012

Myself.

A solidão desola-me; a companhia oprime-me. A presença de outra pessoa descaminha-me os pensamentos; sonho a sua presença com uma distracção especial, que toda a minha atenção analítica não consegue definir.

domingo, 8 de abril de 2012

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Fim.

Está chegando a hora de acabar com isso.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Auto.


Constato, com amargura, que sou especialista em borrar minha própria existência. Não sou um tipo auto-destrutivo que se flagela a fim de produzir um auto-retrato da própria miséria, sou, porém, um tipo condenado a não ter o talento em cultivar as coisas boas que raramente acontecem.

Pintura: Phillipp Haager

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Sem título.

Reconheço, não sei se com tristeza, a secura humana do meu coração. Vale mais para mim um adjectivo que um pranto real da alma. O meu mestre Vieira.
Mas às vezes sou diferente, e tenho lágrimas, lágrimas das quentes dos que não têm nem tiveram mãe; e meus olhos que ardem dessas lágrimas mortas ardem dentro do meu coração.
Não me lembro da minha mãe. Ela morreu tinha eu um ano. Tudo o que há de disperso e duro na minha sensibilidade vem da ausência desse calor e da saudade inútil dos beijos de que me não lembro. Sou postiço. Acordei sempre contra seios outros, acalentado por desvio.
Ah, é a saudade do outro que eu poderia ter sido que me dispersa e sobressalta! Quem outro seria eu se me tivessem dado carinho do que vem desde o ventre até aos beijos na cara pequena?
Talvez que a saudade de não ser filho tenha grande parte na minha indiferença sentimental. Quem, em criança, me apertou contra a cara não me podia apertar contra o coração. Essa estava longe, num jazigo – essa que me pertenceria, se o Destino houvesse querido que me pertencesse.
Disseram-me, mais tarde, que minha mãe era bonita, e dizem que, quando mo disseram, eu não disse nada. Era já apto de corpo e alma, desentendido de emoções, e o falarem ainda não era uma notícia de outras páginas difíceis de imaginar.
Meu pai, que vivia longe, matou-se quando eu tinha três anos e nunca o conheci. Não sei ainda por que é que vivia longe. Nunca me importei de o saber. Lembro-me da notícia da sua morte como de uma grande seriedade às primeiras refeições depois de se saber. Olhavam, lembro-me, de vez em quando para mim. E eu olhava de troco, entendendo estupidamente. Depois comia com mais regra, pois talvez, sem eu ver, continuassem a olhar-me.
Sou todas essas coisas, embora o não queira, no fundo confuso da minha sensibilidade fatal.

Texto: Livro do Desassossego.

domingo, 14 de agosto de 2011

Modelagem molecular.


   
Conclusão a sucata! ... Fiz o cálculo,
Saiu-me certo, fui elogiado...
Meu coração é um enorme estrado
Onde se expõe um pequeno animálculo

A microscópio de desilusões
Findei, prolixo nas minúcias fúteis...
Minhas conclusões Dráticas, inúteis...
Minhas conclusões teóricas, confusões...

Que teorias há para quem sente
o cérebro quebrar-se, como um dente
Dum pente de mendigo que emigrou?

Fecho o caderno dos apontamentos
E faço riscos moles e cinzentos
Nas costas do envelope do que sou ...

Versos: Álvaro de Campos.
Imagem: minha pesquisa.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Elevação.





Isso distrai a alma e leva ao esquecimento certas coisas da vida.

Localização: Teresópolis, Rio de Janeiro, Brasil.
Cume da Pedra do Sino.

Pedra do Sino.

Domingo, 3 de julho de 2011.
O contraste de cores, luzes, temperaturas... ir além do que podem ver, ir além do que posso sentir. A vida é extraordinária...

terça-feira, 28 de junho de 2011

o abaixar de cabeça

urban decay

“Não tenho uma ideia de mim próprio; nem aquela que consiste em uma falta de ideia de mim próprio. Sou um nómada da consciência de mim. Tresmalharam-se à primeira guarda os rebanhos da minha riqueza íntima.”

Livro do Desassossego.