"Teu amor pelas cousas sonhadas era teu desprezo pelas cousas vividas."

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Fim.

Está chegando a hora de acabar com isso.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Auto.


Constato, com amargura, que sou especialista em borrar minha própria existência. Não sou um tipo auto-destrutivo que se flagela a fim de produzir um auto-retrato da própria miséria, sou, porém, um tipo condenado a não ter o talento em cultivar as coisas boas que raramente acontecem.

Pintura: Phillipp Haager

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Sem título.

Reconheço, não sei se com tristeza, a secura humana do meu coração. Vale mais para mim um adjectivo que um pranto real da alma. O meu mestre Vieira.
Mas às vezes sou diferente, e tenho lágrimas, lágrimas das quentes dos que não têm nem tiveram mãe; e meus olhos que ardem dessas lágrimas mortas ardem dentro do meu coração.
Não me lembro da minha mãe. Ela morreu tinha eu um ano. Tudo o que há de disperso e duro na minha sensibilidade vem da ausência desse calor e da saudade inútil dos beijos de que me não lembro. Sou postiço. Acordei sempre contra seios outros, acalentado por desvio.
Ah, é a saudade do outro que eu poderia ter sido que me dispersa e sobressalta! Quem outro seria eu se me tivessem dado carinho do que vem desde o ventre até aos beijos na cara pequena?
Talvez que a saudade de não ser filho tenha grande parte na minha indiferença sentimental. Quem, em criança, me apertou contra a cara não me podia apertar contra o coração. Essa estava longe, num jazigo – essa que me pertenceria, se o Destino houvesse querido que me pertencesse.
Disseram-me, mais tarde, que minha mãe era bonita, e dizem que, quando mo disseram, eu não disse nada. Era já apto de corpo e alma, desentendido de emoções, e o falarem ainda não era uma notícia de outras páginas difíceis de imaginar.
Meu pai, que vivia longe, matou-se quando eu tinha três anos e nunca o conheci. Não sei ainda por que é que vivia longe. Nunca me importei de o saber. Lembro-me da notícia da sua morte como de uma grande seriedade às primeiras refeições depois de se saber. Olhavam, lembro-me, de vez em quando para mim. E eu olhava de troco, entendendo estupidamente. Depois comia com mais regra, pois talvez, sem eu ver, continuassem a olhar-me.
Sou todas essas coisas, embora o não queira, no fundo confuso da minha sensibilidade fatal.

Texto: Livro do Desassossego.

domingo, 14 de agosto de 2011

Modelagem molecular.


   
Conclusão a sucata! ... Fiz o cálculo,
Saiu-me certo, fui elogiado...
Meu coração é um enorme estrado
Onde se expõe um pequeno animálculo

A microscópio de desilusões
Findei, prolixo nas minúcias fúteis...
Minhas conclusões Dráticas, inúteis...
Minhas conclusões teóricas, confusões...

Que teorias há para quem sente
o cérebro quebrar-se, como um dente
Dum pente de mendigo que emigrou?

Fecho o caderno dos apontamentos
E faço riscos moles e cinzentos
Nas costas do envelope do que sou ...

Versos: Álvaro de Campos.
Imagem: minha pesquisa.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Elevação.





Isso distrai a alma e leva ao esquecimento certas coisas da vida.

Localização: Teresópolis, Rio de Janeiro, Brasil.
Cume da Pedra do Sino.

Pedra do Sino.

Domingo, 3 de julho de 2011.
O contraste de cores, luzes, temperaturas... ir além do que podem ver, ir além do que posso sentir. A vida é extraordinária...

terça-feira, 28 de junho de 2011

o abaixar de cabeça

urban decay

“Não tenho uma ideia de mim próprio; nem aquela que consiste em uma falta de ideia de mim próprio. Sou um nómada da consciência de mim. Tresmalharam-se à primeira guarda os rebanhos da minha riqueza íntima.”

Livro do Desassossego.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Sombre Chemin.

nature2

Je marche dans l’obscurité avec mon visage d’enfants.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Sonhos



Por que não sonhar?!

segunda-feira, 18 de abril de 2011


Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...

Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...

Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,

Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir

E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.


Versos: Á. de Campos.

domingo, 10 de abril de 2011

dez de abril.


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu era feliz e ninguém estava morto. Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos, E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer. No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma, De ser inteligente para entre a família, E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim. Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças. Quando vim a.olhar para a vida, perdera o sentido da vida.


Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo, O que fui de coração e parentesco. O que fui de serões de meia-província, O que fui de amarem-me e eu ser menino, O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui... A que distância!... (Nem o acho... )


O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!


O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa, Pondo grelado nas paredes... O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas), O que eu sou hoje é terem vendido a casa, É terem morrido todos, É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...


Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo! Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez, Por uma viagem metafísica e carnal, Com uma dualidade de eu para mim... Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!


Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui... A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos, O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado, As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa, No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .


Pára, meu coração! Não penses! Deixa o pensar na cabeça! Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus! Hoje já não faço anos. Duro. Somam-se-me dias. Serei velho quando o for. Mais nada. Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...


O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...


Versos: Álvaro de Campos.

domingo, 20 de março de 2011

Passos da Cruz


I -

Esqueço-me das horas transviadas
o Outono mora mágoas nos outeiros
E põe um roxo vago nos ribeiros...
Hóstia de assombro a alma, e toda estradas...

Aconteceu-me esta paisagem, fadas
De sepulcros a orgíaco... Trigueiros
Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas...

No claustro seqüestrando a lucidez
Um espasmo apagado em ódio à ânsia
Põe dias de ilhas vistas do convés

No meu cansaço perdido entre os gelos
E a cor do outono é um funeral de apelos
Pela estrada da minha dissonância...

Versos: F. Pessoa.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

cotidiano


Quando acordei o sol já estava erguido fora com todo o seu explendor para uma manhã iluminada de fevereiro, sob este dia deixei a minha casa e encarei a vida logo no acelerar da motocicleta pela rua, em direção a mais um dia de trabalho no laboratório, como uma folha carregada pelo vento que foi varrida pelo solo, e erro, entre os acontecimentos casuais da paisagem.

As pessoas seguem suas vidas em seus trabalhos, o varal de roupas é levantado, como também as portas das lojas do comércio, e o seu Álvaro vem vender à porta do hospital seus biscoitos, inclusive, com cobertura de chocolate meio amargo.

Contento-me, afinal, com muito pouco. Tudo isso que parece pouco é uma vida intensa para mim, cada cor, cada som, cada temperatura, cada sabor me faz sentir vivo. E me senti feliz por não me sentir infeliz, sair despreocupadamente, cheio de certeza porque o laboratório conhecido, com gente conhecida e tarefas a executar, são certezas. Assim, me senti livre. E os biscoitos de chocolate meio amargo desmancham ao serem embocados.

Sou eu verdadeiramente nesta eternidade casual e simbólica do estado de meia-alma em que me iludo. Uma ou outra pessoa olha-me como se me conhecesse e me estranhasse. Sinto que os olhos também com órbitas sentidas sob pálpebras que as roçam, e não quero saber de haver mundo.

Quero saber das coisas simples da vida, das sutilezas, dos detalhes, das pequenas coisas que fazem grandes diferenças, que abraço com o meu ser. E também estar com o gosto meio-amargo do chocolate que realça o doce da vida.

Foto: Amsterdam, autor desconhecidos.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Transbordo...


Eu sou destrutivo, sempre acabo com tudo porque não há nada pior do que ter esperanças. Quando pequenino destruia os brinquedos que mais gostava, creio que já nasci sentindo prazer pela dor, fingindo ser alheio a tudo.
Transbordo, mal sei conduzir-me na vida.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Por um pouco...


Uma vida simples é, deveras, muitas vezes desejada por mim. Ser um homem do campo e cuidar dos arredores, eventualmente sair pela estrada de terra e admirar toda a paisagem envolta. Ou ser uma criança que põe barcos de papel num tanque de quinta sob a sombra de uma figueira que admira os reflexos sombrios da pouca água.
Entre mim e a vida há um fio tênue, por mais que veja, intimamente entenda, muitas vezes sou incapaz de lhe tocar.