"Teu amor pelas cousas sonhadas era teu desprezo pelas cousas vividas."

sábado, 28 de agosto de 2010

Doze Moradas de Silêncio


Hoje é dia de coisas simples.
(Ai de mim! que desgraça!
o creme da terra não voltará a aparecer!)
Coisas simples como ir contigo ao restaurante,
Ler o horóscopo e os pequenos escândalos,
Folhear revistas pornográficas e
Demorarmo-nos dentro da banheira
Na ladeia pouco há a fazer,
Falaremos do tempo com os olhos presos dentro das chavenas,
Inventaremos palavras cruzadas na areia... jogos e murmúrios de dedos por baixo da mesa,
Beberemos café,
Sorriremos às pessoas e às coisas,
Caminharemos lado a lado os ombros tocando-se
(Se estivesses aqui!)
Em silêncio olharíamos a foz do rio.
É o brincar agitado do sol nas mãos das crianças
Descalças
Hoje.
Versos: Al Berto
Foto: Desconhecido.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Cobardia


Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria inibir-me de acabar; deveria inibir-me até de dar começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar; acabo porque não tenho alma para suspender. Este blogue é a minha cobardia.

A razão por que tantas vezes interrompo um pensamento com um trecho de paisagem, que de algum modo se integra no esquema, real ou suposto, das minhas impressões, é que essa paisagem é uma porta por onde fujo ao conhecimento da minha impotência criadora. Tenho a necessidade, em meio das conversas comigo que formam as palavras destas páginas, de falar de repente com outra pessoa, e dirijo-me à luz que paira, como agora, sobre os telhados das casas, que parecem molhados de tê-la de lado; ao agitar brando das árvores altas na encosta citadina, que parecem perto, numa possibilidade de desabamento mudo; aos cartazes sobrepostos das casas ingremadas, com janelas por letras onde o sol morto doira goma húmida.

Para mim, escrever é desprezar-me; mas não posso deixar de escrever. Escrever é como a droga que repugno e tomo, o vício que desprezo e em que vivo. Há venenos necessários, e há-os subtilíssimos, compostos de ingredientes do meu interior, ervas colhidas nos recantos das ruínas dos sonhos, papoilas negras achadas ao pé das sepulturas dos propósitos, folhas longas de árvores obscenas que agitam os ramos nas margens ouvidas dos rios infernais da vida.

Escrever, sim, é perder-me, mas todos se perdem, porque tudo é perda. Porém eu perco-me sem alegria, não como o rio na foz para que nasceu incógnito, mas como o lago feito na praia pela maré alta, e cuja água sumida nunca mais regressa ao mar.

Texto: Vicente Guedes
Foto: Desconhecido

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Anarquia em mim.


As sombras rotas das folhagens, o canto trémulo das aves, os braços estendidos dos rios, trepidando ao sol o seu luzir fresco, as verduras, as papoilas, e a simplicidade das sensações - ao sentir isto, sinto dele saudades, como se ao senti-lo o não sentisse.

As horas, como um carro ao entardecer, regressam chiando pelas sombras dos meus pensamentos. Se ergo os olhos de sobre o meu pensamento, elas ardem-me do espectáculo do mundo.

Para realizar um sonho é preciso esquecê-lo, distrair dele a atenção. Por isso realizar é não realizar. A vida está cheia de paradoxos.

Eu desejaria fazer a apoteose de uma incoerência nova, que ficasse sendo como que a constituição negativa da nova anarquia. Compilar um digesto dos meus sonhos pareceu-me sempre que seria útil à humanidade. Por isso mesmo me abstive de o tentar. A ideia de que o que eu fazia pudesse ser aproveitável magoou-me, secou-me para mim.

Tenho quintas nos arredores da vida. Passo ausências de cidade da minha Acção entre as árvores e as flores do meu devaneio. Ao meu retiro verde nem chegam os ecos da vida dos meus gestos. Durmo a minha memória como procissões infinitas. Nos cálices da minha meditação só bebo o sorriso do vinho louro; só o bebo com os olhos, fechando-os, e a Vida passa como uma vela longínqua.

Os dias de sol sabem-me ao que eu não tenho. O céu azul, e as nuvens brancas, as árvores, a flauta que ali falta - éclogas incompletas pelo estremecimento dos ramos... Tudo isto é a harpa muda por onde eu roço a leveza dos meus dedos.

A academia vegetal dos silêncios... teu nome soando como as papoilas... os tanques... o meu regresso... o padre louco que endoideceu na missa. Estas recordações são dos meus sonhos... Não fecho os olhos mas não vejo nada... Não estão aqui as coisas que vejo... Águas…

Numa confusão de emaranhamentos, o verdor das árvores é parte do meu sangue. Bate-me a vida no coração distante. Eu não fui destinado à realidade, e a vida quis vir ter comigo.


A tortura do destino! Quem sabe se morrerei amanhã! Quem sabe se não vai acontecer-me hoje qualquer coisa de terrível para a minha alma!... As vezes, quando penso nestas coisas, apavora-me a tirania suprema que nos faz ter de olhar puros não sabendo de que acontecimento a incerteza de mim vai ao encontro.

sábado, 14 de agosto de 2010

Tristeza e Solidão


Ela não sabe
Quanta tristeza cabe numa solidão
Eu sei que ela não pensa
Quanto a indiferença
Dói num coração

Se ela soubesse
O que acontece quando estou tão triste assim
Mas ela me condena
Ela não tem pena
Não tem dó de mim

Sou da linha de umbanda
Vou no babalaô
Para pedir pra ela voltar pra mim
Porque assim eu sei que vou morrer de dor

Composição de Baden Powell e Vinicius de Moraes