"Teu amor pelas cousas sonhadas era teu desprezo pelas cousas vividas."

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Terra Desolada - O Enterro dos Mortos.


Terra Desolada - I
Abril é o mais cruel dos meses, germina
Lilases da terra morta, mistura
Memória e desejo, aviva
Agônicas raízes com a chuva da primavera.
O inverno nos agasalhava, envolvendo
A terra em neve deslembrada, nutrindo
Com secos tubérculos o que ainda restava de vida.
O verão nos surpreendeu, caindo do Starnbergersee
Com um aguaceiro. Paramos junto aos pórticos
E ao sol caminhamos pelas aléias do Hofgarten,
Tomamos café, e por uma hora conversamos.
Bin gar keine Russin, stamm' aus Litauen, echt deutsch.
Quando éramos crianças, na casa do arquiduque,
Meu primo, ele convidou-me a passear de trenó.
E eu tive medo. Disse-me ele, Maria,
Maria, agarra-te firme. E encosta abaixo deslizamos.
Nas montanhas, lá, onde livre te sentes.
Leio muito à noite, e viajo para o sul durante o inverno.

Que raízes são essas que se arraigam, que ramos se esgalham
Nessa imundície pedregosa? Filho do homem
Não podes dizer, ou sequer estimas, porque apenas conheces
Um feixe de imagens fraturadas, batidas pelo sol,
E as árvores mortas já não mais te abrigam, nem te consola o
canto dos grilos,
E nenhum rumor de água a latejar na pedra seca. Apenas
Uma sombra medra sob esta rocha escarlate.
(Chega-te à sombra desta rocha escarlate),
E vou mostrar-te algo distinto
De tua sombra a caminhar atrás de ti quando amanhece
Ou de tua sombra vespertina ao teu encontro se elevando;
Vou revelar-te o que é o medo num punhado de pó.

Frisch weht der Wind
Der Heimat zu
Mein Irisch Kind,
Wo weilest du?


"Um ano faz agora que os primeiros jacintos me deste;
Chamavam-me a menina dos jacintos."
- Mas ao voltarmos, tarde, do Jardim dos Jacintos,
Teus braços cheios de jacintos e teus cabelos úmidos, não pude
Falar, e meus olhos se enevoaram, eu não sabia
Se vivo ou morto estava, e tudo ignorava
Perplexo ante o coração da luz, o silêncio.
Oed' und leer das Meer.

Madame Sosostris, célebre vidente,
Contraiu incurável resfriado; ainda assim,
É conhecida como a mulher mais sábia da Europa,
Com seu trêfego baralho. Esta aqui, disse ela,
É tua carta, a do Marinheiro Fenício Afogado.
(Estas são as pérolas que foram seus olhos. Olha!)
Eis aqui Beladona, a Madona dos Rochedos,
A Senhora das Situações.
Aqui está o homem dos três bastões, e aqui a Roda da Fortuna,
E aqui se vê o mercador zarolho, e esta carta,
Que em branco vês, é algo que ele às costas leva,
Mas que a mim proibiram-me de ver. Não acho
O Enforcado. Receia morte por água.
Vejo multidões que em círculos perambulam.
Obrigada. Se encontrares, querido, a Senhora Equitone,
Diz-lhe que eu mesma lhe entrego o horóscopo:
Todo o cuidado é pouco nestes dias.

Cidade irreal,
Sob a fulva neblina de uma aurora de inverno,
Fluía a multidão pela Ponte de Londres, eram tantos,
Jamais pensei que a morte a tantos destruíra.
Breves e entrecortados, os suspiros exalavam,
E cada homem fincava o olhar adiante de seus pés.
Galgava a colina e percorria a King William Street,
Até onde Saint Mary Woolnoth marcava as horas
Com um dobre surdo ao fim da nona badalada.
Vi alguém que conhecia, e o fiz parar, aos gritos: "Stetson,
Tu que estiveste comigo nas galeras de Mylae!
O cadáver que plantaste ano passado em teu jardim
Já começou a brotar? Dará flores este ano?
Ou foi a imprevista geada que o perturbou em seu leito?
Conserva o Cão à distância, esse amigo do homem,
Ou ele virá com suas unhas outra vez desenterrá-lo!
Tu! Hypocrite lecteur! - mon semblable -, mon frère!"

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Uma Partida de Xadrez


Terra Desolada - II
" "Estou. mal dos nervos esta noite. Sim, mal. Fica comigo.
Fala comigo. Por que nunca falas? Fala.
Em que estás pensando? Em que pensas? Em quê?
Jamais sei o que pensas. Pensa."

Penso que estamos no beco dos ratos
Onde os mortos seus ossos deixaram.

"Que rumor é este?"
O vento sob a porta.
"E que rumor é este agora? Que anda a fazer o vento lá fora?"
Nada, como sempre. Nada.
"Não sabes"
Nada? Nada vês? Não recordas
Nada?"
Recordo-me
Daquelas pérolas que eram seus olhos.
"Estás ou não estás vivo? Nada existe em tua cabeça?"
Mas
O O O O este Rag shakespeaéreo
- Tão elegante
Tão inteligente
"Que farei agora? Que farei?
Sairei às pressas, assim como estou, e andarei pelas ruas
Com meu cabelo em desalinho. Que faremos amanhã?
Que faremos jamais?
O banho quente às dez.
E caso chova, um carro às quatro. Fechado.
E jogaremos uma partida de xadrez, apertando olhos sem
pálpebras
A espera de uma batida na porta.

Quando o marido de Lil deu baixa, eu disse
- Não sabia então medir minhas palavras, eu mesmo disse
a ela
DEPRESSA POR FAVOR É TARDE
Agora que Alberto está para voltar, vê se te cuida um pouco,
Ele vai querer saber o que fez você com o dinheiro que ele deu
Para ajeitar esses seus dentes. Foi isso o que ele fez, eu
estava lá.
Arranca logo todos eles, Lil, e põe na boca uma dentadura
decente.
Foi isso o que ele disse, juro, já não agüento ver você assim.
Muito menos eu, disse, e pensa no pobre Alberto
Ele serviu o exército por quatro anos, quer agora se divertir
E se você não o fizer, outras o farão, disse.
Ah, é assim. Ou qualquer coisa de parecido, respondi.
Então saberei a quem agradecer, disse ela, fitando-me nos
olhos.
DEPRESSA POR FAVOR É TARDE
Se não lhe agrada, faça o que lhe der na telha.
Outras podem escolher e passar logo a mão, se você não pode,
Mas se Alberto sumir, não foi por falta de aviso.
Você devia se envergonhar, disse, de parecer tão passada.
(E ela só tem trinta e um anos.)
Não sei o que fazer, disse ela, com um ar desapontado,
Foram essas pílulas que tomei para abortar, disse.
(Ela já teve cinco filhos, e ao parir o mais novo, Jorge, quase
morreu.)


O farmacêutico disse que tudo correria bem, mas nunca mais
fui a mesma.
Você é uma perfeita idiota, disse eu.
Bem, se Alberto não deixar você em paz, aí é que está.
Por que você se casou se não queria filhos?
DEPRESSA POR FAVOR É TARDE
Bem, naquele domingo em que Alberto voltou para casa, eles
serviram um pernil assado
E me convidaram para jantar, a fim de que eu o saboreasse
ainda quente.
DEPRESSA POR FAVOR É TARDE
DEPRESSA POR FAVOR É TARDE
Boanoite Bill. Boanoite Lou. Boanoite May. Boanoite.
Tchau. 'Noite. 'Noite.
Boa-noite, senhoras, boa-noite, gentis senhoras, boa-noite,
boa-noite."
(Elliot, T.S.)

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

O Sermão do Fogo.



Terra Desolada - III

O dossel do rio se rompeu: os derradeiros dedos das folhas

Agarram-se às úmidas entranhas dos barrancos. Impressentido,
O vento cruza a terra estiolada. As ninfas já partiram.
Doce Tâmisa, corre suave, até que meu canto eu termine.
O rio não suporta garrafas vazias, restos de comida,
Lenços de seda, caixas de papelão, pontas de cigarro
E outros testemunhos das noites de verão. As ninfas já
partiram.
E seus amigos, os ociosos herdeiros de magnatas municipais,
Partiram sem deixar vestígios.
Às margens do Léman sentei-me e lá chorei . . .
Doce Tâmisa, corre suave, até que meu canto eu termine,
Doce Tâmisa, corre suave, pois falarei baixinho e quase nada te direi.
Atrás de mim, porém, numa rajada fria, escuto
O chocalhar dos ossos, e um riso ressequido tangencia o rio.
Um rato rasteja macio entre as ervas daninhas,
Arrastando seu viscoso ventre sobre a margem
Enquanto eu pesco no canal sombrio
Durante um crepúsculo de inverno, rodeando por detrás o gasômetro,
A meditar sobre o naufrágio do rei meu irmão
E sobre a morte do rei meu pai que antes dele pereceu.
Brancos corpos nus sobre úmidos solos pegajosos
E ossos dispersos numa seca e estreita água-furtada,
Que apenas vez por outra os pés dos ratos embaralham.
Atrás de mim, porém, de quando em quando escuto
O rumor das buzinas e motores, que trarão na primavera
Sweeney de volta aos braços da Senhora Porter.
‘Ó a Lua que luminosa brilha
Sobre a Senhora Porter e sua filha, ambas
A banhar os pés em borbulhante soda.'
Et O ces voix d'enfants chantant dans la coupole!




[...]

Cidade irreal,
Sob a fulva neblina de um meio-dia de inverno
O Senhor Eugênides, o mercador de Smyrna,
A barba por fazer e o bolso cheio de passas coríntias
C.I.F. Londres, documentos à vista
Convidou-me em seu francês vulgar (demótico, eu diria)
A almoçar no Cannon Street HotelE a passar um fim de semana no Metropole.


À hora violácea, quando os olhos e as costas
Às mesas de trabalho renunciam, quando a máquina humana
aguarda
Como um trepidante táxi à espera,
Eu, Tirésias, embora cego, palpitando entre duas vidas,
Um velho com as tetas engelhadas, posso ver,
Nessa hora violácea, o momento crepuscular que luta
Rumo ao lar, e que do mar devolve o marinheiro à sua casa;
A datilógrafa que ao lar regressa à hora do chá,
Recolhe as sobras do café da manhã, acende
O fogareiro e improvisa seu jantar em latas de conserva.
[...]
(T.S. Elliot)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Morte Por Água.


-Terra devastada - IV -
Flebas, o Fenício, morto há quinze dias,
Esqueceu o grito das gaivotas e o marulho das vagas
E os lucros e os prejuízos.
Uma corrente submarina
Roeu-lhe os ossos em surdina. Enquanto subia e descia
Ele evocava as cenas de sua maturidade e juventude
Até que ao torvelinho sucumbiu.
Gentio ou judeu
Ó tu que o leme giras e avistas onde o vento se origina,
Considera a Flebas, que foi um dia alto e belo como tu.
(T.S. Elliot)

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

O que disse o Trovão.


- Terra desolada - V -

Após a rubra luz do archote sobre suadas faces
Após o gelado silêncio nos jardins
Após a agonia em pedregosas regiões
O clamor e a súplica
Cárcere palácio reverberação
Do trovão primaveril sobre longínquas montanhas
Aquele que vivia agora já não vive
E nós que então vivíamos agora agonizamos
Com um pouco de resignação.

Aqui água não há, mas rocha apenas
Rocha. Água nenhuma. E o arenoso caminho
O coleante caminho que sobe entre as montanhas
Que são montanhas de inaquosa rocha
Se água houvesse aqui, nos deteríamos a bebê-la
Não se pode parar ou pensar em meio às rochas
Seco o suor nos poros e os pés na areia postos
Se aqui só água houvesse em meio às rochas
Montanha morta, boca de dentes cariados que já não pode
cuspir
Aqui de pé não se fica e ninguém se deita ou senta
Nem o silêncio vibra nas montanhas
Apenas o áspero e seca trovão sem chuva
Sequer a solidão floresce nas montanhas
Apenas rubras faces taciturnas que escarnecem e rosnam
A espreitar nas portas de casebres calcinados
Se água houvesse aqui
E não rocha
Se aqui houvesse rocha
Que água também fosse
E água
Uma nascente
Uma poça entre as rochas
Se ao menos um sussurro de água aqui se ouvisse
Não a cigarra
Ou a canora relva seca
Mas a canção das águas sobre a rocha
Onde gorjeia o tordo solitário nos pinheiros
Drip drop drip drop drop drop drop
Mas aqui água não há

Quem é o outro que sempre anda a teu lado?
Quando somo, somos dois apenas, lado a lado,
Mas se ergo os olhos e diviso a branca estrada
Há sempre um outro que a teu lado vaga
A esgueirar-se envolto sob um manto escuro, encapuzado
Não sei se de homem ou de mulher se trata
- Mas quem é esse que te segue do outro lado?

Que som é esse que alto pulsa no espaço
Sussurro de lamentação materna
Que embuçadas hordas são essas que enxameiam
Sobre planícies sem fim, tropeçando nas gretas da terra
Restrita apenas a um raso horizonte arrasado
Que cidade se levanta acima das montanhas
Fendas e emendas e estalos no ar violáceo
Torres cadentes
Jerusalém Atenas Alexandria
Viena Londres
Irreais

[...]


Nessa cova arruinada entre as montanhas
Sob um tíbio luar, a relva está cantando
Sobre túmulos caídos, ao redor da capela
É uma capela vazia, onde somente o vento fez seu ninho.
Não há janelas, e as portas rangem e gingam,
Ossos secos a ninguém mais intimidam.
Um galo apenas na cumeeira pousado
Cocorocó cocorocó
No lampejo de um relâmpago. E uma rajada úmida
Vem depois trazendo a chuva

[...]


Sentei-me junto às margens a pescar
Deixando atrás de mim a árida planície
Terei ao menos minhas terras posto em ordem?
A Ponte de Londres está caindo caindo caindo
Poi s'ascose nel foco che gli affina
Quando fiam uti chelidon - Ó andorinha andorinha
Le Prince d'Aquitaine à la tour abolie
Com fragmentos tais foi que escorei minhas ruínas
Pois então vos conforto. Jerônimo outra vez enlouqueceu.
Datta. Dayadhvam. Damyata.Shantih shantih shantih

(T.S. Elliot)

(Foto, centro de convenções abandonado - Próximo a Chernobyl, Ucrânia)

domingo, 21 de dezembro de 2008

Viagem nunca feita.


- Naufrágios? Não, nunca tive nenhum. Mas tenho a impressão de que todas as minhas viagens naufraguei, estando a minha salvação escondida em inconsciências intervalantes.

- Sonhos vagos, luzes confusas, paisagens perplexas - eis o que me resta’ na alma de tanto que viajei.

Tenho a impressão de que conheci horas de todas as cores, amores de todos os sabores, ânsias de todos os tamanhos. Desmedi-me pela vida fora e nunca me bastei nem me sonhei bastando-me.

- Preciso explicar-lhe que viajei realmente. Mas tudo me sabe a constar -me que viajei, mas não vivi. Levei de um lado para o outro, de norte para sul.., de leste para oeste, o cansaço de ter tido um passado, o tédio de viver um presente, e o desassossego de ter que ter um futuro. Mas tanto me esforço que fico todo no presente, matando dentro de mim o passado e o futuro.
- Passeei pelas margens dos rios cujo nome me encontrei ignorando. Às mesas dos cafés de cidades visitadas descobri-me a perceber que tudo me sabia a sonho, a vago. Cheguei a ter às vezes a dúvida se não continuava sentado à mesa da nossa casa antiga, imóvel e deslumbrado por sonhos! Não lhe posso afirmar que isso não aconteça, que eu não esteja lá agora ainda, que tudo isto, incluindo esta conversa consigo, não seja falso e suposto. O senhor quem é? Dá-se o facto ainda absurdo de não o poder explicar...

sábado, 6 de dezembro de 2008

Para ela...


"Se essa rua, se essa rua fosse minha
Eu mandava, eu mandava ladrilhar...
Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes
Para o meu, para o meu amor passar...

Nessa rua, nessa rua tem um bosque
Que se chama, que se chama solidão
Dentro dele, dentro dele mora um anjo
Que roubou, que roubou meu coração..."