"Teu amor pelas cousas sonhadas era teu desprezo pelas cousas vividas."

domingo, 15 de junho de 2008

Abdicação.

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho… eu sou um rei
Que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.

Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa - eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços.

Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.

- Pessoa - 1913.

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