"Teu amor pelas cousas sonhadas era teu desprezo pelas cousas vividas."

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Pelos corredores silenciosos.


"Nem um gesto involuntário, nem mesmo a mínima contração dos músculos da face, nem um movimento dos olhos ou dos lábios traíam nunca os pensamentos em que parecia absorto, o secreto pesar em que se fechava. Mas deste secreto pesar e dos lúgubres pensamentos que se lhe aninhavam no cérebro estava toda impregnada a sua fisionomia. A devastação que eles deviam produzir naquela alma, estava flagrante na fixidez espasmódica dos olhos claros, agudos, na lividez do rosto desfigurado, nos precoces fios grisalhos da barba crespa e desleixada.
Tulio Buti não escrevia nem recebia cartas; não lia jornais; não parava nem se virava para ver o que quer que acontecesse pela rua e que atraísse a alheia curiosidade, e, se alguma vez a chuva o colhia de improviso, continuava caminhando, no mesmo passo, como se nada tivesse acontecido.
Por que insistisse em viver desse modo, era o que ninguém sabia... Nem ele mesmo, talvez. Vivia... Nem sequer suspeitava que fosse possível viver de modo diverso, ou então, que, vivendo-se diversamente, se poderia diminuir o peso da tristeza e do tédio.
...Daí por diante, Tulio Buti não esperou mais no seu quarto a luz da outra casa; ao contrário esperou com impaciência que a luz se apagasse."
(Texto - Pirandello; Fotografia - Anônima, Cidade de Tirol)

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