"Teu amor pelas cousas sonhadas era teu desprezo pelas cousas vividas."

domingo, 18 de abril de 2010

O Marinheiro


“Todo este país é muito triste... Aquele onde eu vivi outrora era menos triste. Ao entardecer eu fiava, sentada à minha janela. A janela dava para o mar e às vezes havia uma ilha ao longe... Muitas vezes eu não fiava; olhava para o mar e esquecia-me de viver. Não sei se era feliz. Já não tornarei a ser aquilo que talvez eu nunca fosse...”

Fernando Pessoa - O Marinheiro.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Nocturnas Horas

urb palestina

Nas casas coloridas que o sol não vê, as cores começam a ter tons de cinzento delas. Há frio nas diversidades dessas cores. Dorme uma pequena inquietação nos vales falsos das ruas. Dorme e sossega. E pouco a pouco, nas mais baixas das nuvens altas, começam os reflexos a ser de sombra; só naquela pequena nuvem, que paira águia branca acima de tudo, o sol conserva, de longe, o seu ouro rindo.

Tudo quanto tenho buscado na vida, eu mesmo o deixei por buscar. Sou como alguém que procure distraidamente o que, no sonho entre a busca, esqueceu já o que era. Torna-se mais real que a coisa buscada ausente o gesto real das mãos visíveis que buscam, revolvendo, deslocando, assentando, e existem brancas e longas, com cinco dedos cada uma, exatamente.

Tudo quanto tenho tido é como este céu alto e diversamente o mesmo, farrapos de nada tocados de uma luz distante, fragmentos de falsa vida que a morte doura de longe, com seu sorriso triste de verdade inteira. Tudo quanto tenho tido, sim, tem sido o não ter sabido buscar.

Tudo quanto sou, ou quanto fui, ou quanto penso do que sou ou fui, tudo isso perde de repente – nestes meus pensamentos e na perda súbita de luz da nuvem alta – o segredo, a verdade, a ventura talvez, que houvesse em não sei quê que tem por baixo a vida. Tudo isso, como um sol que falta, é que me resta, e sobre os telhados altos, diversamente, a luz deixa escorregar as suas mãos de queda, e sai à vista, na unidade dos telhados, a sombra íntima de tudo.

Vago pingo trêmulo, clareia pequena ao longe a primeira estrela.

domingo, 4 de abril de 2010

Vida.


Coisa arrojada a um canto, trapo caído na estrada, meu ser ignóbil ante a vida finge-se.

sábado, 3 de abril de 2010

Interlúdio do Vazio.


Sou mais velho que o tempo e que o espaço, porque sou consciente. As coisas derivam de mim; a natureza inteira é primogênita da minha sensação.
Busco - não encontro. Quero - não posso.
Sem mim, o sol nasce e se apaga; sem mim, a chuve cai e o vento geme. Não são por mim as estações, nem o curso dos meses, nem a passagem das horas.
Do do mundo em mim, como de terras que não posso trazer comigo.