Foi nas alamedas do bosque, sem dúvida, que se passou a tragédia de que resultou a vida. Éramos dois e belos e desejavamos ser outra coisa; o amor tardava-nos no tédio do futuro, e a saudade do que haveria de ser vinha já sendo a origem do amor que não tinhamos tido. Assim, ao luar entre as árvores, pois através delas se coava a lua, passeavamos, mãos dadas, sem desejos nem esperanças, através do deserto próprio das áleas abandonadas. Eramos como crianças inteiramente, pois não havia verdade alguma. De álea em álea, silhuetas entre troncos e copados, percorremos em papel recortado aquele cenário de ninguém. E assim sumimos para o lado dos tanques, cada vez mais juntos e separados, e o ruído da vaga chuva que cessa é o dos repuxos de para onde iamos. Sou o amor que houve e por isso sonho na noite em que não durmo, e também sei viver infeliz.
terça-feira, 28 de setembro de 2010
sábado, 25 de setembro de 2010
stimmung
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
Por lugar algum
“(...) Slimane, companheiro dos dias de infortúnio, sabe tão bem quanto eu que os últimos momentos da noite são estranhamente difíceis. Nenhum abraço chega para atenuar a dor da separação.
Quando o teu corpo está ausente, Slimane, pergunto-me que caos terrível irromperá de mim. Em que lugar destas terras, desta aridez da alma, terei a possibilidade de morrer por enjoo de tudo?
A vida, aqui, é monótona e triste - feita à margem das estrelas de areia que vão serpenteando até o árido horizonte as engolir.
Uma espécie de miséria escorre, gota a gota, dentro de mim. Sinto-me como o viajante que observou os homens e as coisas, e prosseguiu viagem sem deixar rasto - sabendo que, também ele, se apagará da face da terra.
Continuo a procurar o silêncio e a paz. Mas o amor não passa de inquietação, e a beleza dos seres é efémera.
Aprendo a passar por eles, a olhá-los atentamente para poder esquecê-los.
A vida, afinal, talvez seja uma encenação do desespero. Aïn-Sefra desaparece na fúria das lamacentas águas. Faltam-me as forças para fugir daqui. Uma língua de fogo atinge a mão que escreve.
O meu corpo será encontrado sob os escombros. Aquela que viveu no lume das areias morrerá afogada. Mas enquanto o destino não se cumpre, puxo as rédeas a Ziza, acendo um cigarro, e cavalgo em direcção a lado nenhum.”
Texto: Al Berto
Foto: E. Ferreira
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Destruktion
...
Olho para ti, dentro de mim, noiva suposta, e já nos desavimos antes de existires. O meu hábito de sonhar claro dá-me uma noção justa da realidade. Quem sonha de mais precisa de dar realidade ao sonho. Quem dá realidade ao sonho tem que dar ao sonho o equilíbrio da realidade. Quem dá ao sonho o equilíbrio da realidade, sofre da realidade de sonhar tanto como da realidade da vida (e do irreal do sonho com o sentir a vida irreal).
Estou-te esperando, em devaneio, no nosso quarto com duas portas, e sonho-te vindo e no meu sonho entras até mim pela porta da direita; se, quando entras, entras pela porta da esquerda, há já uma diferença entre ti e o meu sonho. Toda a tragédia humana está neste pequeno exemplo de como aqueles com quem pensamos nunca são aqueles em quem pensamos.
O amor perde identidade na diferença, o que é impossível já na lógica, quanto mais no mundo. O amor quer possuir, quer tornar seu o que tem de ficar fora para ele saber que se torna seu e não é. Amar é entregar-se. Quanto maior a entrega, maior o amor. Mas a entrega total entrega também a consciência do outro. O amor maior é por isso a morte, ou o esquecimento, ou a renúncia os amores todos que são os absurdiandos do amor.
No terraço antigo do palácio, alçado sobre o mar, meditaremos em silêncio a diferença entre nós. Eu era príncipe e tu princesa, no terraço à beira do mar. O nosso amor nascera do nosso encontro, como a beleza se criou do encontro da lua com as águas…
Palavras: Bernardo Soares
Foto: Donato Brullessa
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
In - consciência
A vida, para a maioria dos homens, é uma maçada passada sem se dar por isso, uma coisa triste composta de intervalos alegres, qualquer coisa como os momentos de anedotas que contam os veladores de mortos, para passar o sossego da noite e a obrigação de velar. Achei sempre fútil considerar a vida como um vale de lágrimas: é um vale de lágrimas, sim, mas onde raras vezes se chora. Disse Heine que, depois das grandes tragédias, acabamos sempre por nos assoar.
A vida seria insuportável se tomássemos consciência dela. Felizmente o não fazemos. Vivemos com a mesma inconsciência que os animais, do mesmo modo fútil e inútil, e se antecipamos a morte, que é de supor, sem que seja certo, que eles não antecipam, antecipamo-la através de tantos esquecimentos, de tantas distracções e desvios, que mal podemos dizer que pensamos nela.
Desta forma, aqueles que se entorpecem, embriagam e enlouquecem não terão uma consciência mais lúcida da vida do que os bons sujeitos admiráveis da nossa sociedade?
terça-feira, 7 de setembro de 2010
Pulsar
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Domingo.
Não sei exatamente por quais descaminhos inclino minha vida. Como um barco à deriva num mar infinito, estou a me distanciar das pessoas que prezo. Não consigo me aproximar.
Noto, como quando ponho meus óculos e vejo nitidamente, o tudo quanto tenho feito, pensado, sido, é uma soma de subordinações, ou a um ente falso que julguei meu, por que agi dele para fora, ou de um peso de circunstâncias que supus ser o ar que respirava. Sou, neste momento de ver, um solitário súbito, que se reconhece desterrado onde se encontrou sempre cidadão. No mais íntimo do que pensei não fui eu.
Posso deixar-me a esse mar, posso ignorar-me, ou fingir ser outro - o que seria nenhuma novidade. Às vezes tenho para mim que a própria vida finge-se ao meu ser vazio.
Que esse domingo termine logo.
Sou tão estúpido, fútil... deveria pegar a moto, a estrada para petrópolis, para fotografar, para pensar em nada, sentir o vento, ouvindo música, e esquecendo... Se há algo que reconheço em mim é a minha inabilidade para viver.
Não sei o que fazer, o domingo deu em chuvoso.