"Teu amor pelas cousas sonhadas era teu desprezo pelas cousas vividas."

sábado, 25 de dezembro de 2010

Sou.


Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?
Não: Vou existir.
E-xis-tir...

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

desespero.


Onde está Deus, mesmo que não exista? Quero rezar e chorar, arrepender-me de crimes que não cometi, gozar ser perdoado como uma carícia não propriamente materna.

Um regaço para chorar, mas um regaço enorme, sem forma, espaçoso como uma noite de verão, e contudo próximo, quente, feminino, ao pé de uma lareira qualquer... Poder ali chorar coisas impensáveis, falências que nem sei quais são, ternuras de coisas inexistentes, e grandes dúvidas arrepiadas de não sei que futuro...

Uma infância nova, uma ama velha outra vez, e um leito pequeno onde acabar por dormir, entre contos que embalam, mal ouvidos, com uma atenção que se torna morna, de perigos grandes - penetravam em jovens cabelos louros como o trigo... E tudo isto muito grande, muito eterno, definitivo para sempre, da estatura única de Deus, lá no fundo triste e sonolento da realidade última das Coisas...

Um colo ou um berço ou um braço quente em torno ao meu pescoço... Uma voz que canta baixo e parece querer fazer-me chorar... O ruído de lume na lareira... Um calor no inverno... Um extravio morno da minha consciência... E depois sem som, um sonho calmo num espaço enorme, como a lua rodando entre estrelas...

Quando ponho de parte os meus artifícios e arrumo a um canto, com um cuidado cheio de carinho - com vontade de lhes dar beijos - os meus brinquedos, as palavras, as imagens, as frases - fico tão pequeno e inofensivo, tão só num quarto tão grande e tão triste, tão profundamente triste!...

Afinal eu quem sou, quando não brinco? Um pobre órfão abandonado nas ruas das sensações, tiritando de frio às esquinas da Realidade, tendo que dormir nos degraus da Tristeza e comer o pão dado da Fantasia. De meu pai sei o nome; disseram-me que se chamava Deus, mas o nome não me dá ideia de nada. Às vezes, na noite, quando me sinto só, chamo por ele e choro, e faço-me uma ideia dele a que possa amar... Mas depois penso que o não conheço, que talvez ele não seja assim, que talvez não seja nunca esse o pai da minha alma...

Quando acabará isto tudo, estas ruas onde arrasto a minha miséria, e estes degraus onde encolho o meu frio e sinto as mãos da noite por entre os meus farrapos? Se um dia Deus me viesse buscar e me levasse para sua casa e me desse calor e afeição... As vezes penso isto e choro com alegria a pensar que o posso pensar... Mas o vento arrasta-se pela rua fora e as folhas caem no passeio... Ergo os olhos e vejo as estrelas que não têm sentido nenhum... E de tudo isto fico apenas eu, uma pobre criança abandonada, que nenhum Amor quis para seu filho adoptivo, nem nenhuma Amizade para seu companheiro de brinquedos.

Tenho frio de mais. Estou tão cansado no meu abandono. Vai buscar, ó Vento, a minha Mãe. Leva-me na Noite para a casa que não conheci... Torna a dar-me, ó Silêncio imenso, a minha ama e o meu berço e a minha canção com que eu dormia...


Texto: Bernardo Soares

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

-_,


segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Paragem, zona



Tragam-me esquecimento em travessas!
Quero comer o abandono da vida!
Quero perder o habito de gritar para dentro.
Arre, já basta! Não sei o quê, mas já basta...
Então viver amanhã, hein?... E o que se faz de hoje?
Viver amanhã por ter adiado hoje?
Comprei por acaso um bilhete para esse espectaculo?
Que gargalhadas daria quem pudesse rir!
E agora apparece o eletrico – o de que eu estou á espera –
Antes fosse outro... Ter de subir já!
Ninguem me obriga, mas deixal-o passar, porquê?
Só deixando passar todos, e a mim mesmo, e á vida...
Que nausea no estomago real que é a alma consciente!
Que somno bom o ser outra pessoa qualquer...
Já comprehendo porque é que as creanças querem ser guarda-freios...
Não, não comprehendo nada...
Tarde de azul e ouro, alegria das gentes, olhos claros da vida...


Versos: Álvaro de Campos.
Foto: autor desconhecido, local: Galápagos.

domingo, 21 de novembro de 2010

manhã de domingo.



Desconcerto-me sob a luz suave de céu azul em que encontrei nessa manhã alta de domingo ao sair para fora.

É domingo em mim também. Essa beleza é sempre inédita pra mim, e através dela tento alcançar esquecimentos...

Caminhei sozinho logo que acordei, com meu chinelo gasto e roupa velha, através de passeios sinuosos e ladeiras desta Teresópolis para colecionar impressões desassossegadas e oblíqüas de tudo.


É domingo. Que tenho eu com a vida?

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

appontamento.



A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Cahiu pela escada excessivamente abaixo.
Cahiu das mãos da creada descuidada.
Cahiu, fêz-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.


Asneira? Impossivel? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.


Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que ha debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a creada d'elles fêz de mim.


Não se zangam com ella.
São tolerantes com ella.
O que eu era um vaso vasio?


Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si-mesmos, não conscientes d'elles.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à creada involuntária.


Alastra a grande escadaria atapetada de estrêllas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou alli.

Versos: Álvaro de Campos
Fotografia: Anônimo (tokyotimes.org)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010


Minha sensibilidade é uma chama ao vento que não se apaga.

Foto: Cidade de Chernobyl, Ucrânia. Autor desconhecido.

domingo, 14 de novembro de 2010

Abdicação.



Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho.
Eu sou um rei que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.

Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mãos viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa - eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços.

Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.

Versos: Fernando Pessoa.
Foto: Desconhecido.

domingo, 7 de novembro de 2010

intervallo desconexo.


Nesta página negra desenho, com minhas mãos incertas, os caminhos mais íntimos que me destino. São formas abstratas, sem sentidos, palavras simples e distantes que descrevem minha vida descontínua, minhas incoerências mais admiráveis, meu pequeno cotidiano, e as aléas, monstros, montanhas, e ruas desertas dos meus sonhos.

Neste blogue estão os rabiscos da minha inconsciência de mim. Traço-as num tédio diante do laptop, como um gato ao sol, e releio-as, por vezes, com um vago pasmo tardio, como o de me haver lembrado de uma coisa que sempre esquecera.

Quando cá estou, olho-me diante do espelho e vejo as salas especiais, recordadas por outrem em interstícios da figuração, onde me deleito analisando o que não sinto, e me examino como a um quadro na sombra.

Perdi, antes de nascer, o meu castelo antigo. Foram vendidas, antes que eu fosse, as tapeçarias [d]o meu palácio ancestral. O meu solar de antes da vida caiu em ruína, e só em certos momentos, quando o luar nasce em mim de sobre os juncos do rio, me esfria a saudade dos lados de onde o resto desdentado das paredes recorra negro contra o céu de azul escuro esbranquiçado a amarelo de leite.

Porque aqui é como se estivesse esfarrapado, com todas as minhas cicatrizes à mostra, e à repulsar.

sábado, 6 de novembro de 2010

meu olhar.



- Hoje, durante o meu passeio matinal, vi uma linda mulher… Meu Deus, que linda que ela era! (…)
- Sério, sr. Spinell? Descreva-ma então.
- Não, não posso! Dar-lhe-ia uma imagem imperfeita dela. Ao passar, mal a vi; na verdade, não a vi. Apercebi-me, porém, da sua sombra esfumada, e isso bastou para me excitar a imaginação e guardar dela uma imagem de beleza. Meu Deus, que linda imagem!
A mulher do sr. Klöterjahn sorriu.
- É essa a sua maneira de olhar para as mulheres bonitas, senhor Spinell?
- Sim, minha senhora, é; é muito melhor do que olhá-las fixamente na cara, com uma grosseira avidez da realidade, para no fim ficarmos com uma impressão falsa…

Texto: Thomaz Mann
Foto: Desconhecido

sábado, 30 de outubro de 2010

luz.


Sou um poço de gestos é o que sou e ainda nem todos foram esboçados em mim. Sou um poço de palavras que curvam meus lábios, ainda que em pensamento. Sou um poço de sonhos que nem ao fim chegaram.

Porque minha alma é como um raio de sol que brilha e isola do chão onde jaz o monte de estrume que é meu corpo.

sábado, 23 de outubro de 2010

dissonância.


Aonde vai dar tudo isso?

Quando eu era criança caminhava nas tardes ensolaradas, com os pés procurando folhas secas para pisar, com rosto aberto ao vento, leveza no ser e toda certeza que chegaria onde queria.

Mas nada é como deveria ser.

Às vezes não sei onde cheguei. Não sei se queria ter chegado.
Hoje acordei em um imenso descampado, com o corpo sujo, esfarrapado e com um frio a percorrer-me pela espinha.
... São descaminhos que me movem através do infinito. O que será amanhã, não faço a menor idéia e gosto dessa sensação.

O que vos escrevo são espectros da minha dissonância com a vida.

sábado, 16 de outubro de 2010

abismo indefinidamente abstracto da vida.


Não fizeram, Senhor, as vossas naus viagem mais primeira que a que o meu pensamento, no desastre deste livro, conseguiu. Cabo não dobraram, nem Draia viram mais afastada, tanto da audácia dos audazes como da imaginação dos por ousar, igual aos cabos que dobrei com a minha meditação, e às praias a que, com o meu El, fiz aportar o meu esforço.

Por vosso início, Senhor, se descobriu o Mundo Real; por meu o Mundo Intelectual se descobrirá.

Arcaram os vossos argonautas com monstros e medos. Também, na viagem do meu pensamento, tive monstros e medos com que arcar. No caminho para o abismo abstracto, que está no fundo das coisas, há horrores, que passar, que os homens do mundo não imaginam e medos que ter que a experiência humana não conhece; é mais humano talvez o cabo para o lugar indefinido do mar comum do que a senda abstracta para o vácuo do mundo.

Apartados do uso dos seus lares, êxuis do caminho das suas casas, viúvos para sempre da brandura de a vida ser a mesma, chegaram por fim os vossos emissários, vós já morto, ao extremo oceânico da Terra. Viram, no material, um novo céu e uma terra nova.

Eu, longe dos caminhos de mim próprio, cego da visão da vida que amo, cheguei por fim, também, ao extremo vazio das coisas, à borda imponderável do limite dos entes, à porta sem lugar do abismo abstracto do Mundo.

Entrei, senhor, essa Porta. Vaguei, senhor, por esse mar. Contemplei, senhor, esse invisível abismo.

Ponho esta obra de Descoberta suprema na invocação do vosso nome português, criador de argonautas.


Foto: Desconhecido
Texto: Vicente Guedes

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Visceralmente...


Sempre na minha vida, situações e convivências, eu fui sempre, p'ra todos, um intruso, um estranho sempre. No meio de amigos, parentes, colegas, fui sempre sentido como alguém de fora.
Fui sempre, em toda parte e por todos, tratado com simpatia. Mas essa simpatia foi sempre isenta de afeição. Para os mais naturalmente íntimos fui sempre um hóspede, que por hóspede, é bem tratado, mas sempre com atenção devida ao estranho e a falta de afeição merecida pelo intruso.
Hoje estou lúcido como se não existisse. Meu pensamento é em claro como um esqueleto, sem os trapos carnais da ilusão de exprimir.

Foto: Desconhecido.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

.


"Fatica d'amore, tristezza
Tu chiami una vita
che dentro, profonda, ha nomi
di cieli e gioardini
E fosse mia carne
che il dono di male trasforma"

Versos: S. Quasimodo
Foto: Desconhecido.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Vida.


Da sacada do último andar sobre o horizonte infinito, na inocência da noite que surge, ao vento para o começo das estrelas, meus sonhos vão por acordo de ritmo com a distância exposta para as viagens às terras incógnitas, ou supostas, ou somente impossíveis.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

cortejo ingênuo dos meus sonhos…



Foi nas alamedas do bosque, sem dúvida, que se passou a tragédia de que resultou a vida. Éramos dois e belos e desejavamos ser outra coisa; o amor tardava-nos no tédio do futuro, e a saudade do que haveria de ser vinha já sendo a origem do amor que não tinhamos tido. Assim, ao luar entre as árvores, pois através delas se coava a lua, passeavamos, mãos dadas, sem desejos nem esperanças, através do deserto próprio das áleas abandonadas. Eramos como crianças inteiramente, pois não havia verdade alguma. De álea em álea, silhuetas entre troncos e copados, percorremos em papel recortado aquele cenário de ninguém. E assim sumimos para o lado dos tanques, cada vez mais juntos e separados, e o ruído da vaga chuva que cessa é o dos repuxos de para onde iamos. Sou o amor que houve e por isso sonho na noite em que não durmo, e também sei viver infeliz.

sábado, 25 de setembro de 2010

stimmung


...
Jeremias soube tudo isso e ficou, ali,
Onde a foz se extingue,
Tomado pela cólera e lembrando a vida,
os campos, as aldeias e os vermes da vida.

Ali,
Enloquecendo sempre,
Foragido de tudo, ferido de tudo...



Versos: José Agostinho Baptista.
Photo: Anônimo.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Por lugar algum



(...) Slimane, companheiro dos dias de infortúnio, sabe tão bem quanto eu que os últimos momentos da noite são estranhamente difíceis. Nenhum abraço chega para atenuar a dor da separação.
Quando o teu corpo está ausente, Slimane, pergunto-me que caos terrível irromperá de mim. Em que lugar destas terras, desta aridez da alma, terei a possibilidade de morrer por enjoo de tudo?


A vida, aqui, é monótona e triste - feita à margem das estrelas de areia que vão serpenteando até o árido horizonte as engolir.
Uma espécie de miséria escorre, gota a gota, dentro de mim. Sinto-me como o viajante que observou os homens e as coisas, e prosseguiu viagem sem deixar rasto - sabendo que, também ele, se apagará da face da terra.
Continuo a procurar o silêncio e a paz. Mas o amor não passa de inquietação, e a beleza dos seres é efémera.
Aprendo a passar por eles, a olhá-los atentamente para poder esquecê-los.
A vida, afinal, talvez seja uma encenação do desespero. Aïn-Sefra desaparece na fúria das lamacentas águas. Faltam-me as forças para fugir daqui. Uma língua de fogo atinge a mão que escreve.
O meu corpo será encontrado sob os escombros. Aquela que viveu no lume das areias morrerá afogada. Mas enquanto o destino não se cumpre, puxo as rédeas a Ziza, acendo um cigarro, e cavalgo em direcção a lado nenhum.”

Texto: Al Berto
Foto: E. Ferreira

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Destruktion


...

Olho para ti, dentro de mim, noiva suposta, e já nos desavimos antes de existires. O meu hábito de sonhar claro dá-me uma noção justa da realidade. Quem sonha de mais precisa de dar realidade ao sonho. Quem dá realidade ao sonho tem que dar ao sonho o equilíbrio da realidade. Quem dá ao sonho o equilíbrio da realidade, sofre da realidade de sonhar tanto como da realidade da vida (e do irreal do sonho com o sentir a vida irreal).

Estou-te esperando, em devaneio, no nosso quarto com duas portas, e sonho-te vindo e no meu sonho entras até mim pela porta da direita; se, quando entras, entras pela porta da esquerda, há já uma diferença entre ti e o meu sonho. Toda a tragédia humana está neste pequeno exemplo de como aqueles com quem pensamos nunca são aqueles em quem pensamos.

O amor perde identidade na diferença, o que é impossível já na lógica, quanto mais no mundo. O amor quer possuir, quer tornar seu o que tem de ficar fora para ele saber que se torna seu e não é. Amar é entregar-se. Quanto maior a entrega, maior o amor. Mas a entrega total entrega também a consciência do outro. O amor maior é por isso a morte, ou o esquecimento, ou a renúncia os amores todos que são os absurdiandos do amor.

No terraço antigo do palácio, alçado sobre o mar, meditaremos em silêncio a diferença entre nós. Eu era príncipe e tu princesa, no terraço à beira do mar. O nosso amor nascera do nosso encontro, como a beleza se criou do encontro da lua com as águas…

Palavras: Bernardo Soares

Foto: Donato Brullessa

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

In - consciência


A vida, para a maioria dos homens, é uma maçada passada sem se dar por isso, uma coisa triste composta de intervalos alegres, qualquer coisa como os momentos de anedotas que contam os veladores de mortos, para passar o sossego da noite e a obrigação de velar. Achei sempre fútil considerar a vida como um vale de lágrimas: é um vale de lágrimas, sim, mas onde raras vezes se chora. Disse Heine que, depois das grandes tragédias, acabamos sempre por nos assoar.

A vida seria insuportável se tomássemos consciência dela. Felizmente o não fazemos. Vivemos com a mesma inconsciência que os animais, do mesmo modo fútil e inútil, e se antecipamos a morte, que é de supor, sem que seja certo, que eles não antecipam, antecipamo-la através de tantos esquecimentos, de tantas distracções e desvios, que mal podemos dizer que pensamos nela.

Desta forma, aqueles que se entorpecem, embriagam e enlouquecem não terão uma consciência mais lúcida da vida do que os bons sujeitos admiráveis da nossa sociedade?

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Pulsar



“Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei. O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.”

Versos: Álvaro de Campos

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Domingo.


Não sei exatamente por quais descaminhos inclino minha vida. Como um barco à deriva num mar infinito, estou a me distanciar das pessoas que prezo. Não consigo me aproximar.

Noto, como quando ponho meus óculos e vejo nitidamente, o tudo quanto tenho feito, pensado, sido, é uma soma de subordinações, ou a um ente falso que julguei meu, por que agi dele para fora, ou de um peso de circunstâncias que supus ser o ar que respirava. Sou, neste momento de ver, um solitário súbito, que se reconhece desterrado onde se encontrou sempre cidadão. No mais íntimo do que pensei não fui eu.

Posso deixar-me a esse mar, posso ignorar-me, ou fingir ser outro - o que seria nenhuma novidade. Às vezes tenho para mim que a própria vida finge-se ao meu ser vazio.

Que esse domingo termine logo.

Sou tão estúpido, fútil... deveria pegar a moto, a estrada para petrópolis, para fotografar, para pensar em nada, sentir o vento, ouvindo música, e esquecendo... Se há algo que reconheço em mim é a minha inabilidade para viver.

Não sei o que fazer, o domingo deu em chuvoso.

sábado, 28 de agosto de 2010

Doze Moradas de Silêncio


Hoje é dia de coisas simples.
(Ai de mim! que desgraça!
o creme da terra não voltará a aparecer!)
Coisas simples como ir contigo ao restaurante,
Ler o horóscopo e os pequenos escândalos,
Folhear revistas pornográficas e
Demorarmo-nos dentro da banheira
Na ladeia pouco há a fazer,
Falaremos do tempo com os olhos presos dentro das chavenas,
Inventaremos palavras cruzadas na areia... jogos e murmúrios de dedos por baixo da mesa,
Beberemos café,
Sorriremos às pessoas e às coisas,
Caminharemos lado a lado os ombros tocando-se
(Se estivesses aqui!)
Em silêncio olharíamos a foz do rio.
É o brincar agitado do sol nas mãos das crianças
Descalças
Hoje.
Versos: Al Berto
Foto: Desconhecido.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Cobardia


Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria inibir-me de acabar; deveria inibir-me até de dar começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar; acabo porque não tenho alma para suspender. Este blogue é a minha cobardia.

A razão por que tantas vezes interrompo um pensamento com um trecho de paisagem, que de algum modo se integra no esquema, real ou suposto, das minhas impressões, é que essa paisagem é uma porta por onde fujo ao conhecimento da minha impotência criadora. Tenho a necessidade, em meio das conversas comigo que formam as palavras destas páginas, de falar de repente com outra pessoa, e dirijo-me à luz que paira, como agora, sobre os telhados das casas, que parecem molhados de tê-la de lado; ao agitar brando das árvores altas na encosta citadina, que parecem perto, numa possibilidade de desabamento mudo; aos cartazes sobrepostos das casas ingremadas, com janelas por letras onde o sol morto doira goma húmida.

Para mim, escrever é desprezar-me; mas não posso deixar de escrever. Escrever é como a droga que repugno e tomo, o vício que desprezo e em que vivo. Há venenos necessários, e há-os subtilíssimos, compostos de ingredientes do meu interior, ervas colhidas nos recantos das ruínas dos sonhos, papoilas negras achadas ao pé das sepulturas dos propósitos, folhas longas de árvores obscenas que agitam os ramos nas margens ouvidas dos rios infernais da vida.

Escrever, sim, é perder-me, mas todos se perdem, porque tudo é perda. Porém eu perco-me sem alegria, não como o rio na foz para que nasceu incógnito, mas como o lago feito na praia pela maré alta, e cuja água sumida nunca mais regressa ao mar.

Texto: Vicente Guedes
Foto: Desconhecido

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Anarquia em mim.


As sombras rotas das folhagens, o canto trémulo das aves, os braços estendidos dos rios, trepidando ao sol o seu luzir fresco, as verduras, as papoilas, e a simplicidade das sensações - ao sentir isto, sinto dele saudades, como se ao senti-lo o não sentisse.

As horas, como um carro ao entardecer, regressam chiando pelas sombras dos meus pensamentos. Se ergo os olhos de sobre o meu pensamento, elas ardem-me do espectáculo do mundo.

Para realizar um sonho é preciso esquecê-lo, distrair dele a atenção. Por isso realizar é não realizar. A vida está cheia de paradoxos.

Eu desejaria fazer a apoteose de uma incoerência nova, que ficasse sendo como que a constituição negativa da nova anarquia. Compilar um digesto dos meus sonhos pareceu-me sempre que seria útil à humanidade. Por isso mesmo me abstive de o tentar. A ideia de que o que eu fazia pudesse ser aproveitável magoou-me, secou-me para mim.

Tenho quintas nos arredores da vida. Passo ausências de cidade da minha Acção entre as árvores e as flores do meu devaneio. Ao meu retiro verde nem chegam os ecos da vida dos meus gestos. Durmo a minha memória como procissões infinitas. Nos cálices da minha meditação só bebo o sorriso do vinho louro; só o bebo com os olhos, fechando-os, e a Vida passa como uma vela longínqua.

Os dias de sol sabem-me ao que eu não tenho. O céu azul, e as nuvens brancas, as árvores, a flauta que ali falta - éclogas incompletas pelo estremecimento dos ramos... Tudo isto é a harpa muda por onde eu roço a leveza dos meus dedos.

A academia vegetal dos silêncios... teu nome soando como as papoilas... os tanques... o meu regresso... o padre louco que endoideceu na missa. Estas recordações são dos meus sonhos... Não fecho os olhos mas não vejo nada... Não estão aqui as coisas que vejo... Águas…

Numa confusão de emaranhamentos, o verdor das árvores é parte do meu sangue. Bate-me a vida no coração distante. Eu não fui destinado à realidade, e a vida quis vir ter comigo.


A tortura do destino! Quem sabe se morrerei amanhã! Quem sabe se não vai acontecer-me hoje qualquer coisa de terrível para a minha alma!... As vezes, quando penso nestas coisas, apavora-me a tirania suprema que nos faz ter de olhar puros não sabendo de que acontecimento a incerteza de mim vai ao encontro.

sábado, 14 de agosto de 2010

Tristeza e Solidão


Ela não sabe
Quanta tristeza cabe numa solidão
Eu sei que ela não pensa
Quanto a indiferença
Dói num coração

Se ela soubesse
O que acontece quando estou tão triste assim
Mas ela me condena
Ela não tem pena
Não tem dó de mim

Sou da linha de umbanda
Vou no babalaô
Para pedir pra ela voltar pra mim
Porque assim eu sei que vou morrer de dor

Composição de Baden Powell e Vinicius de Moraes

sábado, 24 de julho de 2010

Offlife.


A minha vida, tragédia caída sob a pateada dos anjos e de que só o primeiro acto se representou.

Amigos, nenhum. Só uns conhecidos que julgam que simpatizam comigo e teriam talvez pena se um comboio me passasse por cima e o enterro fosse em dia de chuva.

O prêmio natural do meu afastamento da vida foi a incapacidade, que criei nos outros, de sentirem comigo. Em torno a mim há uma auréola de frieza, um halo de gelo que repele os outros. Ainda não consegui não sofrer com a minha solidão. Tão difícil é obter aquela distinção de espírito que permita ao isolamento ser um repouso sem angústia.

Nunca dei crédito à amizade que me mostraram, como o não teria dado ao amor, se mo houvessem mostrado, o que aliás, seria impossível. Embora nunca tivesse ilusões a respeito daqueles que se diziam meus amigos, consegui sempre sofrer desilusões com eles - tão complexo e subtil é o meu destino de sofrer.

Nunca duvidei que todos me traíssem; e pasmei sempre quando me traíram. Quando chegava o que eu esperava, era sempre inesperado para mim.

Como nunca descobri em mim qualidades que atraíssem alguém, nunca pude acreditar que alguém se sentisse atraído por mim. A opinião seria de uma modéstia estulta, se factos sobre factos - aqueles inesperados factos que eu esperava - a nao viessem confirmar sempre.

Nem posso conceber que me estimem por compaixão, porque, embora fisicamente desajeitado e inaceitável, não tenho aquele grau de amarfanhamento orgânico com que entre na órbita da compaixão alheia, nem mesmo aquela simpatia que a atrai quando ela não seja patentemente merecida; e para o que em mim merece piedade, não a pode haver, porquenunca há piedade para os aleijados do espírito. De modo que caí naquele centro de gravidade do desdém alheio, em que não me inclino para a simpatia de ninguém.

Toda a minha vida tem sido querer adaptar-me a isto sem lhe sentir demasiadamente a crueza e a abjecção.

É preciso certa coragem intelectual para um indivíduo reconhecer destemidamente que não passa de um farrapo humano, aborto sobrevivente, louco ainda fora das fronteiras da internabilidade; mas é preciso ainda mais coragem de espírito para, reconhecido isso, criar uma adaptação perfeita ao seu destino, aceitar sem revolta, sem resignação, sem gesto algum, ou esboço de gesto, a maldição orgânica que a Natureza lhe impôs. Querer que não sofra com isso, é querer de mais, porque não cabe no humano o aceitar o mal, vendo-o bem, e chamar-lhe bem; e, aceitando-o como mal, não é possível não sofrer com ele.

Conceber-me de fora foi a minha desgraça - a desgraça para a minha felicidade. Vi-me como os outros me vêem, e passei a desprezar-me não tanto porque reconhecesse em mim uma tal ordem de qualidades que eu por elas merecesse desprezo, mas porque passei a ver-me como os outros me vêem e a sentir um desprezo qualquer que eles por mim sentem. Sofri a humilhação de me conhecer. Como este calvário não tem nobreza, nem ressurreição dias depois, eu não pude senão sofrer com o ignóbil disto.

Compreendi que era impossível a alguém amar-me, a não ser que lhe faltasse de todo o senso estético - e então eu o desprezaria por isso; e que mesmo simpatizar comigo não podia passar de um capricho da indiferença alheia.

Ver claro em nós e em como os outros nos vêem! Ver esta verdade frente a frente! E no fim o grito de Cristo no Calvário, quando viu, frente a frente, a sua verdade: Senhor, senhor, por que me abandonaste?

Foto: desconhecido

texto: Bernardo Soares

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Metaphysica-mente Eu.


Sou altamente sociável de um modo altamente negativo. Sou a inofensividade encarnada. Mas não sou mais do que isso, não quero ser mais do que isso, não posso ser mais do que isso. Tenho para com tudo que existe uma ternura visual, um carinho da inteligência - nada no coração. Não tenho fé em nada, esperança de nada, caridade para nada.

Considero-me feliz por não ter já parentes. Não me vejo assim na obrigação, que inevitavelmente me pesaria, de ter que amar alguém. Não tenho saudades senão literariamente. Lembro a minha infância com lágrimas, mas são lágrimas rítmicas, onde já se prepara a prosa. Lembro-a como uma coisa externa e através de coisas externas; lembro só as coisas externas. Não é sossego dos serões de província que me enternece da infância que vivi neles, é a disposição da mesa para o chá, são os vultos dos móveis em torno da casa, são as caras e os gestos físicos das pessoas. É de quadros que tenho saudades. Por isso, tanto me enternece a minha infância como a de outrem: são ambas, no passado que não sei o que é, fenómenos puramente visuais, que sinto com a atenção literária. Enterneço-me, sim, mas não é porque lembro, mas porque vejo.

Nunca amei ninguém. O mais que tenho amado são sensações minhas - estados da visualidade consciente, impressões da audição desperta, perfumes que são uma maneira de a humildade do mundo externo falar comigo, dizer-me coisas do passado (tão fácil de lembrar pelos cheiros) -, isto é, de me darem mais realidade, mais emoção, que o simples pão a cozer lá dentro na padaria funda, como naquela tarde longínqua em que vinha do enterro do meu tio que me amara tanto e havia em mim vagamente a ternura de um alívio, não sei bem de quê.

E esta a minha moral, ou a minha metaphysica, ou eu: Transeunte de tudo - até de minha própria alma -, não pertenço a nada, não desejo nada, não sou nada - centro abstracto de sensações impessoais, espelho caído sentiente virado para a variedade do mundo. Com isto, não sei se sou feliz ou infeliz; nem me importa.

sábado, 12 de junho de 2010

Cinzas da Janela.


Há dois dias que chove e que cai do céu cinzento e frio uma certa chuva, da cor que tem, que aflige a alma. Há dois dias... Estou triste de sentir, e reflicto-o à janela ao som da água que pinga e da chuva que cai. Tenho o coração opresso e as recordações transformadas em angústias.

Sem sono, nem razão para o ter, há em mim uma grande vontade de dormir. Outrora, quando eu era criança e feliz, vivia numa casa do pátio ao lado a voz de um papagaio verde a cores. Nunca, nos dias de chuva, se lhe entristecia o dizer, e clamava, sem dúvida do abrigo, um qualquer sentimento constante, que pairava na tristeza como um gramofone antecipado.

Pensei neste papagaio porque estou triste e a infância longínqua o lembra? Não, pensei nele realmente, porque do pátio fronteiro de agora, uma voz de papagaio grita arrevesadamente.

Tudo se me confunde. Quando julgo que recordo, é outra coisa que penso; se vejo, ignoro, e quando me distraio, nitidamente vejo.

Viro as costas à janela cinzenta, de vidros frios às mãos que lhes tocam. E levo comigo, por um sortilégio da penumbra, de repente, o interior da casa antiga, fora da qual, no pátio ao lado, o papagaio gritava; e os meus olhos adormecem-se-me de toda a irreparabilidade de ter efectivamente vivido.

Foto: Mar - Marcela.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Recordações do Morro dos Ventos Uivantes


Não posso olhar para este chão sem que veja as suas feições recortadas nas lajes! Em todas as nuvens, em todas as árvores. . . enchendo o ar, à noite, e refletida em todos os objetos, durante o dia, eu vejo a sua imagem! Os rostos mais comuns de homens e mulheres, os meus próprios traços traem-me com uma semelhança. O mundo inteiro é um terrível álbum de recordações a provar que ela existiu e que eu a perdi!

Heathcliff - O Morro dos Ventos Uivantes.

terça-feira, 11 de maio de 2010

E Preciso.


Põe-me as mãos nos ombros...
Beija-me na fronte...
Minha vida é escombros,
A minha alma insonte.

Eu não sei por quê,
Meu desde onde venho,
Sou o ser que vê,
E vê tudo estranho.

Põe a tua mão
Sobre o meu cabelo...
Tudo é ilusão.
Sonhar é sabê-lo.


Versos: F. Pessoa;
Foto: Anônimo - Cidade de Havana

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Descaminho.


As coisas mais simples, mais realmente simples, que nada pode tornar semi-simples, torna-mas complexas o eu vivê-las. Dar a alguém os bons-dias por vezes intimida-me. Seca-se-me a voz, como se houvesse uma audácia estranha em ter essas palavras em voz alta. É uma espécie de pudor de existir - não tem outro nome!

A análise constante’ das nossas sensações cria um modo novo de sentir, que parece artificial a quem analise só com a inteligência, que não com a própria sensação.

Toda a vida fui fútil metafisicamente, sério a brincar. Nada fiz a sério, por mais que quisesse. Divertiu-se em mim comigo um Destino malin.

Ter emoções de chita, ou de seda, ou de brocado! Ter emoções descritíveis assim! Ter emoções descritíveis!

Sobe por mim na alma um arrependimento que é de Deus por tudo, uma paixão surda de lágrimas pela condenação dos sonhos na carne dos que os sonharam... E odeio sem ódio todos os poetas que escreveram versos, todos os idealistas que fizeram ver o seu ideal, todos os que conseguiram o que queriam.

Vagueio indefinidamente nas ruas sossegadas, ando até cansar o corpo em acordo com a alma, dói-me até aquele extremo da dor conhecida que tem um gozo em sentir-se, uma compaixão materna por si-mesma, que é musicada e indefinível.

Dormir! Adormecer! Sossegar! Ser uma consciência abstracta de respirar sossegadamente, sem mundo, sem astros, sem alma - mar morto de emoção reflectindo uma ausência de estrelas!

domingo, 18 de abril de 2010

O Marinheiro


“Todo este país é muito triste... Aquele onde eu vivi outrora era menos triste. Ao entardecer eu fiava, sentada à minha janela. A janela dava para o mar e às vezes havia uma ilha ao longe... Muitas vezes eu não fiava; olhava para o mar e esquecia-me de viver. Não sei se era feliz. Já não tornarei a ser aquilo que talvez eu nunca fosse...”

Fernando Pessoa - O Marinheiro.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Nocturnas Horas

urb palestina

Nas casas coloridas que o sol não vê, as cores começam a ter tons de cinzento delas. Há frio nas diversidades dessas cores. Dorme uma pequena inquietação nos vales falsos das ruas. Dorme e sossega. E pouco a pouco, nas mais baixas das nuvens altas, começam os reflexos a ser de sombra; só naquela pequena nuvem, que paira águia branca acima de tudo, o sol conserva, de longe, o seu ouro rindo.

Tudo quanto tenho buscado na vida, eu mesmo o deixei por buscar. Sou como alguém que procure distraidamente o que, no sonho entre a busca, esqueceu já o que era. Torna-se mais real que a coisa buscada ausente o gesto real das mãos visíveis que buscam, revolvendo, deslocando, assentando, e existem brancas e longas, com cinco dedos cada uma, exatamente.

Tudo quanto tenho tido é como este céu alto e diversamente o mesmo, farrapos de nada tocados de uma luz distante, fragmentos de falsa vida que a morte doura de longe, com seu sorriso triste de verdade inteira. Tudo quanto tenho tido, sim, tem sido o não ter sabido buscar.

Tudo quanto sou, ou quanto fui, ou quanto penso do que sou ou fui, tudo isso perde de repente – nestes meus pensamentos e na perda súbita de luz da nuvem alta – o segredo, a verdade, a ventura talvez, que houvesse em não sei quê que tem por baixo a vida. Tudo isso, como um sol que falta, é que me resta, e sobre os telhados altos, diversamente, a luz deixa escorregar as suas mãos de queda, e sai à vista, na unidade dos telhados, a sombra íntima de tudo.

Vago pingo trêmulo, clareia pequena ao longe a primeira estrela.

domingo, 4 de abril de 2010

Vida.


Coisa arrojada a um canto, trapo caído na estrada, meu ser ignóbil ante a vida finge-se.

sábado, 3 de abril de 2010

Interlúdio do Vazio.


Sou mais velho que o tempo e que o espaço, porque sou consciente. As coisas derivam de mim; a natureza inteira é primogênita da minha sensação.
Busco - não encontro. Quero - não posso.
Sem mim, o sol nasce e se apaga; sem mim, a chuve cai e o vento geme. Não são por mim as estações, nem o curso dos meses, nem a passagem das horas.
Do do mundo em mim, como de terras que não posso trazer comigo.

domingo, 28 de março de 2010

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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Intervallo.


Molhadamente sujo de um castanho morto.